Numa ruela junto ao antigo – hoje já demolido – Postigo de Santo Estêvão, vivia uma pesarosa mulher que não se conformava com a infidelidade conjugal do seu marido. Desejosa de reaver o afecto do consorte, procurou ela uma sua comadre, judia de raça, muito dada ao magicismo e à bruxaria, para que esta lhe ensinasse a maneira de voltar a sentir a felicidade. Nas suas artes mágicas ordenou-lhe a comadre que fosse à igreja próxima e que aí, simulando comungar, trouxesse para casa a sagrada hóstia, embrulhada na beatilha.
Lenda do Santíssimo Milagre
Assim procedeu e, realizado o sacrilégio, reparou a mulher que, poucos passos tinha andado, e já da beatilha saía jorrante fio de luz que não passara despercebido das gentes que a tinham cruzado. Vendo o seu acto quase do conhecimento público, impacienta-se a pobre e, chegando a casa, fecha a roubada hóstia numa arca, para que o marido não viesse a suspeitar do roubo que ela cometera. Noite alta acordam marido e mulher. Toda a casa estava iluminada por uma estranha claridade e um aroma suavíssimo, impregnado de balsâmico perfume, enchia todo o ambiente. Não podendo por mais tempo ocultar o seu furto, a mulher, arrependida e banhada em lágrimas, conta ao marido a verdade. Este, sem perda de tempo, vai à casa do pároco para desabafar as miraculosas consequências do furto da sagrada hóstia. Com a apoteose do povo volta então a hóstia para a igrejinha de Santo Estêvão, em solene procissão.
A tradição mantém que o milagre se deu numa pequena casa da Travessa das Esteiras – casa que foi transformada em capela no século XVII. Sete séculos são decorridos e, entretanto, a preciosa relíquia, guardada em âmbula de cristal, continua a ser alvo de peregrinação e veneração por parte de crentes nacionais e estrangeiros.