A gastronomia, em Santarém, é muito mais do que o deleite do sabor. Nas tascas mais modestas, ou integrada nos restaurantes do culto gastronómico, é o fio condutor de uma energia que provém da terra e irmana os homens em vontade e voluntariedades conjuntas que conferem a este recanto escalabitano um carácter único de personalidade autêntica. Mas se a exaltação dos sabores é uma constante ao longo do ano, é durante o Festival Nacional de Gastronomia que ela atinge o seu auge e Santarém senta Portugal à mesa.
Misto de frugalidade, pragmatismo e confraternização, por entre o bucolismo campestre e as pausas permitidas pela dureza física do trabalho omnipresente, a cozinha tradicional está associada ao bacalhau com magusto, à tiborna, à massa à barrão, à cachola de porco, ao cozido das matanças ou, de índole francamente local, aos peixes tirados do Tejo por gente que aí se instalou e criou raízes culturais que perduram até hoje. Eram os avieiros, “ciganos do rio”, como lhes chamou o escritor Alves Redol, homens e mulheres com origem em Vieira de Leiria e que à Lezíria aportaram pelo seu ganha-pão
Da fataça, do barbo, do sável, da enguia e do camarão, os avieiros faziam a sua parca riqueza e, do barco, o seu instrumento de trabalho, mas as casas… essas eram construções palafíticas, à beira da água, tal como as do lugar donde provieram. Comiam o que o rio dava confecionando pobres pratos, hoje iguarias, que enchem de orgulho as mesas escalabitanas.
Quando envolta pela vagarosa espiritualidade da vida nos conventos, a doce criatividade explana-se em toda a sua grandeza nos solenes arrepiados, nos celestes e queijinhos do céu. Também os pampilhos, que homenageiam o campino e o seu instrumento de trabalho em forma de vara, ou os coscorões das adiafas, a mítica refeição que evocava o final da safra da azeitona, celebrando o reencontro com os patrões, adquirem em Santarém personalidade inquestionável.